Capturados por traficantes por causa de um suposto roubo de passarinhos, os três meninos de Belford Roxo passaram por uma sessão de tortura tão violenta que um deles morreu em decorrência da surra, segundo a polícia. Os outros dois acabaram executados por isso.
O crime ocorreu em dezembro do ano passado, e os corpos das crianças nunca foram encontrados.
“Eles foram torturados. Pode-se chamar de tortura. Em algum momento um deles falece, e eles acham que a solução daquele caso seria matar os outros dois e chamar alguém para levar os corpos para fora da comunidade”, afirmou o titular da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, Uriel Alcântara.
Nesta quinta-feira (9), a polícia fez uma operação no Castelar a fim de encerrar o inquérito da morte dos garotos Lucas Matheus, Alexandre da Silva e Fernando Henrique. Os meninos tinham, respectivamente, 9, 11 e 12 anos na época que desapareceram.
A ação visava a cumprir 56 mandados de prisão. Até a última atualização desta reportagem, 31 haviam sido cumpridos: 15 pessoas já estavam presas, e outras 16 foram detidas nesta quinta. Houve ainda duas prisões em flagrante.
Crianças Belford Roxo — Foto: Reproduçãohttps://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
A polícia indiciou cinco pessoas por participação nas mortes das crianças:
- Edgar Alves de Andrade, o Doca, uma das lideranças do Comando Vermelho, foragido;
- Ana Paula da Rosa Costa, a Tia Paula, gerente de logística do Castelar, morta;
- Willer Castro da Silva, o Stala, gerente do tráfico do Castelar, morto;
- José Carlos Prazeres da Silva, o Piranha, chefe do tráfico do Castelar, morto;
- Uma quinta pessoa, presa, cujo nome não foi divulgado.
Um sexto responde em liberdade apenas por ocultação de cadáver.
“Essa facção é a mesma que já torturou e matou jornalista, matou uma jovem menina e cortou ela porque não queria namorar um traficante, que matou um menino na Nova Holanda, que incentiva roubos de automóveis e cargas no Rio de Janeiro”, afirmou Ronaldo Oliveira, subsecretário de Planejamento Operacional da Polícia Civil.
“A Polícia Civil foi cobrada sobre esse crime. Houve insinuações que a polícia priorizava investigações cujas vítimas são ricas, em detrimento de investigações cujas vítimas são pobres. Hoje foi demonstrado que isso não é verdade. É um fato difícil de investigar”, disse Roberto Cardoso, diretor do Departamento-Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa.
Quebra de dados de telefone
Segundo Uriel Alcântara, a polícia colheu muitos elementos para comprovar a participação de todos os envolvidos no crime.
“Análises de telefone e quebras de dados de telefone indicaram que houve violência. Um irmão acusa o outro de transportar os corpos das crianças. Há um vínculo entre o condutor do veículo e a pessoa que teria chamado ele, que é a Tia Paula. Esse irmão a conhecia. E nós temos cinco investigados pelo homicídio e um sexto investigado pela ocultação de cadáver”, explicou Uriel.
Polícia Civil cumpre 56 mandados de prisão em operação contra morte dos meninos de Belford Roxo
Ordem para sumir com corpos
O g1 apurou que dois depoimentos foram fundamentais para esclarecer o caso dos meninos de Belford Roxo.
A primeira testemunha informou que estava em um bar da comunidade quando duas motos se aproximaram. Na garupa de uma delas estaria uma das gerentes do tráfico local, Ana Paula da Rosa Costa, a Tia Paula.
De acordo com um desses relatos, Tia Paula perguntou se alguém sabia dirigir. A testemunha se ofereceu e foi levada na moto até um carro. Nesse veículo estariam os corpos dos meninos.
Ainda segundo o depoimento, o informante guiou até um rio próximo da favela, onde os cadáveres foram jogados.
Em 28 de julho de 2021, um outro homem procurou o 39º BPM (Belford Roxo) para contar que seu irmão tinha sido motorista obrigado a transportar os corpos das três crianças desaparecidas de dentro da comunidade até o rio. Imediatamente a PM encaminhou o homem para a DHBF.
Na delegacia o homem confessou ter sido levado para o alto da comunidade para “uma missão”, de acordo com as palavras ditas por Tia Paula. E lá “assumiu a condução do veículo onde os corpos foram transportados até um rio no Município de Belford Roxo”.
Dois dias depois, em 30 de julho, a DHBF pediu apoio ao Grupamento de Busca e Salvamento dos Bombeiros. Buscas foram feitas no ponto do rio indicado pelo condutor do veículo. Ossadas foram encontradas, mas a perícia indicou que eram restos de animais. Em 10 de setembro foram feitas outras buscas em outro trecho do rio. Até hoje, nada foi encontrado.
Suspeitos teriam sido mortos no tribunal do tráfico
As investigações da DHBF indicam que Tia Paula, possivelmente, foi executada no dia 6 de outubro. Ela, na verdade, teria sido um dos alvos dos criminosos do Complexo da Penha, onde está instalada a cúpula do Comando Vermelho. As duas mortes e três desaparecimentos estão sendo investigados pela Polícia Civil.
Um desses desaparecidos é o traficante Wiler Castro da Silva, o Stala, outro gerente do Castelar. Ele teria sido executado na Penha, em agosto, mas seu corpo também jamais foi encontrado.
Outro depoimento obtido ao longo das investigações é de uma testemunha que relata ter ouvido Stala falar sobre as mortes das crianças. E que ele teria dito que as mortes teriam ocorrido porque as crianças estavam roubando na favela e teriam levado um passarinho do tio do criminoso.
Redação: Rádio SIM FM | 09/12/2021